Sunday, January 29, 2006

Hino do MST (Movimento dos Sem Ternura)

ocuparei
seu coração
este latifúndio improdutivo

descerrarei as porteiras
deste pasto de fantasmas do passado
e passarei a viver ali
pois só tem direito a viver nele
aqueles que pretendem viver dele

enfrentarei os senhores feudais
e seus jagunços e tocaias
usurpadores de seus sentimentos mais belos
que serão meus

reforma agrária, na lei ou na marra
entreguem-me o seu coração:
ocupar, resistir, produzir
e reproduzir...

Monday, January 09, 2006

Ira


ira
é o que resta de mim
o pecado que compartilho
com seu Deus
(há também nossa mania de grandeza)

aprenderei a odiá-la
não sonhar com seu cheiro
não estremecer
quando se aproxima
ela,
branca, adorável & fescenina

“mulher não gosta de homem, gosta de dinheiro”
alguém pagará seu preço
reservando-se o usufruto de suas carnes
enquanto resistirem túrgidas
receberás abrigo, adornos, filhos
& até mesmo
(eventualmente)
breves orgasmos

futuro:
enquanto seu marido dorme
sonhando com malabaristas adolescentes ruivas
você procura segredos & possibilidades
reencontra
esses versos
& chora
sofre a falta
de êxtase, paixão
e de mim

mas será tarde
aprendi a odiá-la
embora
ainda sonhe com seu cheiro
e estremeça,
imperceptivelmente
quando você se aproxima

Monday, January 02, 2006

O poeta e a equilibrista


o amor mais improvável
o poeta e a equilibrista
surge
comprometedor
numa
Arena de Circo


este,
o poeta,
palhaço triste
figura
imponderável
e pungente
chaplin paroquial
mestre de crianças
insuspeitas
cruéis


aquela,
a equilibrista
caminhando por entre
silêncios
arriscando-se
seguramente
acima do abismo
abaixo
milhares de braços
prontos a conter
qualquer
queda


este,
busca
o riso
fácil
cúmplice
útil
de todos os homens, mulheres, crianças, da
equilibrista
versos in
sonsos
trovador
ultra passado

no
fim
o riso
sem paixão
de
com paixão


aquela,
passeia tranquilamente
sobre o
precipício
oscila
obriga a
fixação
o risco, altura, formas tão belas
desejáveis
olhos alucinados
admiram
e alguns lobos
salivam
por suas carnes

este
aquela
poeta-equilibrista
desejo estranho
ternura
devaneios
um sono
compartilhado

o sono
não realizado
provoca a
queda!




todos os olhos
suspensos
respirações
espantadas
o corpo
cai
direto
aos braços
do poeta
desastrado
estatelados
o chão
cômico intencional?
(aplausos!)
paixão
cena ensaida
não?

a equilibrista
sobrassaltada
afaga o
poeta
e lhe retribui
um beijo
marcado
de uma umidade
que o
comove


ela levanta-se
agradece as palmas
e retira-se, dolorida

ele,
arrasta-se
machucado, mas
feliz

a
partir
de
então
passou
a protegê-la
sempre
seguir
seus passos
ela
amparando-se
a dor da queda
o mundo
vendo-os
suspeitava
de um amor
secreto
as vezes
penso
talvez ele suspeitasse
talez ela?

engano
os suspiros
da equilibrista
ansiavam os
olhos, lábios, carnes e presença
do ilusionista canastrão
que as vezes
usava-se
dela
para livrar-se
de certos fluídos
incômodos
aquecer-se
quando o frio era demais

e o palhaço
de tanto insistir
percebe
que não
importa
nunca
importou
e pouco afeito
a situação
decide abandonar
o circo

algumas crianças
talvez notem
sua ausência
talvez não
não

ele vai-se
pelo mundo
a fora
desistido
de si
e de tudo
encontrará seu fim um dia


a
equilibrista
caminhando todas noites
sobre o precipício
em outras cidades
sob outros olhares
não poderá mais cair

suas pernas
com o tempo
enfraquecida
não terão mais serventia
nem para o circo
nem para o ilusionista
que prefere carnes mais
firmes

então
será
a equilibrista
do meio fio
trotoando
sublime
desafio
pela vida

um dia,
quem sabe
seus passos trêmulos
reecontrem o palhaço
o único que poderá
reconhecê-la
sem as luzes do espetáculo
quem sabe,
não.